Quando o sistema falha e o médico paga a conta
@alemdadefesamedica


Em discursos inflamados, é comum ver políticos e até pacientes cobrarem do médico uma atuação impecável, quase heroica. Esperam empatia, agilidade, decisões rápidas e infalíveis, mesmo quando o ambiente em que esse profissional atua não oferece nem o básico para a prática segura da medicina.
A crítica, muitas vezes populista, ignora a realidade: o médico é apenas uma peça de uma engrenagem institucional que, no sistema público de saúde, opera com falhas graves, crônicas e estruturais.
A cobrança por excelência, nesses contextos, beira o absurdo.
É injusto responsabilizar individualmente o médico por desfechos que decorrem de uma lógica sistêmica de falhas: falta de estrutura, carência de profissionais, ausência de exames, demora na regulação, negativa de leitos e sobrecarga de trabalho, em condições precárias.
Mesmo sendo diligente, ético e tecnicamente competente, o médico depende do suporte ao seu redor para executar seu papel com qualidade. Quando esse suporte falha, como frequentemente ocorre em hospitais públicos, não se pode transformar a limitação coletiva em culpa individual.
Exigir de um único profissional resultados que dependem de uma engrenagem inteira funcionando é pedir o impossível.
Mais grave ainda é quando, diante dessas limitações, o médico se torna o único alvo da responsabilização civil, ética ou até criminal.
É preciso bom senso para separar a falha de um sistema da conduta de um profissional.
E é preciso coragem social para reconhecer que a precarização da saúde pública não será resolvida com culpados, mas com investimento, gestão e respeito pela realidade de quem está na linha de frente.
Por Caroline Fonseca – Advogada em Direito Médico
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